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“Aqui é o Meu Lugar” (2023)

          No embalo do samba-canção Flor de Março, na voz de Emilinha Borba, o diretor Breno Soares nos conduz, chegando pelo alto ao Morro da Conceição, zona portuária do Rio de Janeiro. A câmera revela Paulo Dallier, pintor expressionista brasileiro, que aos 90 anos, ainda luta pela posse de sua casa, enquanto continua a se expressar artisticamente. Além da pintura, também escreve contos e crônicas. “Aqui é o Meu Lugar” (2023) é um documentário intimista, que pincela a vida do artista que está entre as telas, a casa, os gatos e a solidão.

 

         “Sem que eu precisasse, o abstrato surgiu na minha vida”. Apesar da resistência em pintar no estilo abstrato, Paulo Dallies que se identifica como um pintor expressionista, encontra na relação entre as duas correntes artísticas o seu lugar de criação.  Suas obras estão em conexão com grandes nomes do expressionismo brasileiro como Anita Malfatti e Lasar Segall. Neste documentário, durante aproximadamente 14 minutos as suas obras desfilam diante dos olhos do espectador, em uma fruição estética entre o expressionismo/abstrato de Dallies e o olhar inquieto de Breno Soares.

 

           “A solidão está sempre perto de você. Tem que fazer com que ela fuja, que saia de perto de você”. Aos 90 anos, o solitário artista vive às voltas de uma disputa judicial pela casa onde vive no Morro da Conceição, para onde mudou-se em março de 1998. Foi morar com a prima após a morte de sua mãe. A casa lhe fora dada em comodato. Isto é, um empréstimo de algo que não pode ser vendido e que será por um tempo indeterminado. No caso, ele poderia ficar na casa, sem prazo, salvo se lhe acontecesse algo. Então, o imóvel voltaria para os proprietários, suas primas e primo. Paulo ficou e investiu em melhorias, mas após alguns anos o imóvel lhe foi solicitado de volta e  ele teria que sair. Ele resolve que não, por razões reveladas no documentário, começando assim uma batalha judicial.

 

         O filme descreve a mudança da paisagem urbana da zona portuária do Rio de Janeiro, passagem essa que o diretor nos mostra através de belos planos através do tempo e em contraste com o mar.  Essas mudanças tiveram a consequente valorização imobiliária na região, tornando a casa um alto valor de mercado, o que contribuiu para aumentar o esforço da família  em recuperar o imóvel.

 

             Durante a narrativa o diretor traz as vozes de amigos e pessoas que trabalham com o artista, revelando um pouco mais sobre ele e a sua relação com a casa. Repleta de obras, lembranças e poesias, entretanto, esse particular também é universal, o que está em questão, é humanidade, a experiência de ser no mundo, quem não tem questões mal resolvidas, pendências que atravessam a vida?

 

         Entre muitas histórias, o artista conta uma sobre um marinheiro que morou por lá e Emilinha Borba, a cantora da canção de abertura do filme, e nos faz entender a presença do samba-canção no documentário. As imagens aéreas feitas por drone também são um ponto de destaque, produzindo belos takes da intimidade da casa e, da região do morro da Conceição. O cineasta Breno Soares é um dos fundadores da Maraberto Filmes, que produziu, “Aqui é Meu Lugar (2023)”. Formado em cinema pela PUC-Rio, produziu nos últimos anos longas e séries para produtoras como Paranoid, Urca Filmes, LC Barreto entre outras.

 

          Entrar na casa de Paulo Dallies pelas lentes do Breno Soares é uma experiência interessante, pelo encontro que o documentário proporciona entre as artes plásticas e o cinema, por contar aspectos da vida do artista e, sobremaneira, a sua relação de pertencimento com a casa, do ponto de vista da existência humana.

    

*Adriano Denovac – Crítico de cinema da Borboletas Filmes,

historiador e doutorando em História do Tempo Presente (UDESC),

com pesquisa voltada para o cinema negro.