“Espelho” é um curta experimental dirigido e roteirizado pela diretora sergipana Luciana Oliveira. O filme tem 18 minutos, mas por seu aspecto onírico pode parecer ter muito mais, ou menos tempo. É como um sonho, repleto de espelhos fractais dos destinos e desejos dos femininos negros que transmutam e se liquefazem na tela. Não é uma narrativa convencional, com um arco dramático definido, o que faz dessa obra uma experiência absolutamente sensorial.
Mostra o sonho de Esperanza, em uma forte relação com a água, que também é uma forma de espelho, e um fluido temporal em conexão com as Yabás: Nanã, Iansã, Iemanjá e Oxum, que são femininos sagrados nas religiões de matriz africana. O encontro com essas forças da natureza provoca na personagem um encontro consigo e conosco, a partir de diversas matrizes e pessoas simbólicas dispostas pela diretora na narrativa. Fique atenta(o) para reconhecê-las. Nessa dança de símbolos ligados ao Cosmo e ao Quanta, a obra nos coloca em um diálogo com outras dimensões do ser. Há algo que te olha lá de dentro. Você precisa se permitir ser vista(o) por Espelho.
Lançado em 2022, o filme já participou do 7o Festival de Cine Silente (México); do LA Black Film Festival (USA); da V Mostra Ousmane Sembene de Cinema (BA) e recentemente foi premiado com Melhor Roteiro e Melhor Direção no 11º Festival de Cinema de Pinhais (PR). Luciana Oliveira é graduada em Comunicação Social Audiovisual e doutoranda em Sociologia pela Universidade Federal de Sergipe. Sócia da Rolimã Filmes, produziu o curta “Espelho” através do edital de premiação para produção e exibição cultural do estado de Sergipe, por meio da Fundação de Cultura e Arte Aperipê (SE), com recursos da Lei Aldir Blanc.
Seu primeiro filme foi “O Corpo é Meu” (2014) e, segundo a cineasta, essa obra revelou uma mulher negra que ela não reconhecia. A partir daí, teve seu foco cinematográfico “direcionado para o Cinema Negro e as representações pretas no cinema”. Tal perspectiva está notadamente explícito em “Espelho” (2022), marcado pela força visual e sonora, que busca representações outras do feminino negro, não convencionais nas narrativas do cinema, streaming e TVs comercias. Ao propor essa desconstrução, Luciana Oliveira também se coloca em Esperanza, nesse grito que propõe olhares, formas e sentidos outros, apagados pela violência e pelo racismo. O filme é uma reconexão com a nossa matriz psíquica e espiritual. A diretora dá um mergulho em “Espelho”, fazendo dele uma experiência sensorial “afro fluída”.
*Adriano Denovac – Crítico de cinema da Borboletas Filmes,
historiador e doutorando em História do Tempo Presente (UDESC),
com pesquisa voltada para o cinema negro.