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Ewé de Òsányìn: O segredo das Folhas (2021)

         “Ewé de Òsányìn” é uma delicadeza negra sobre seguir caminhos, encantamentos, descobertas, ancestralidade, natureza e curas. “Ewé Ó” em yorubá significa “Salve as folhas”. Inspirada no livro “Òsányìn: Os segredos e Mistérios das Folhas Sagradas” de Alzení Tomáz, (2019), produzido em Alagoas, no município de Água Branca; na Bahia, nos municípios de Paulo Afonso e Porto Seguro; e no Rio de Janeiro, no município de Itaboraí; a obra é realizada pela ÌTÀN – Cinema Negro de Animação, e com diversos apoios. A animação não contou com financiamento e foi produzida com doações e com recursos próprios. Dirigido por Pâmela Peregrino, o filme é resultado da sua tese de doutorado e transcende o espaço acadêmico. “Ewé de Òsányìn” encontrou caminhos fora da academia e tornou-se um grande sucesso de público e crítica.

 

         O curta-metragem conta a história de um menino que adoece e para sarar toma um remédio feito de ervas, indicado por médico. Ele fica bom, mas desenvolve folhas pelo corpo. No entanto, um evento traumático na escola o leva em busca de respostas para se livrar das folhas que o tomam. É quando ele se joga em uma aventura encantada para que Òsányìn, o orixá das folhas, o ajude. É uma viagem fantástica com uma profusão de cores, folhas e que mexe com os nossos sentidos. Algo de olhar lá de dentro. Essa animação é mais uma pérola no universo da Distribuidora Borboletas Filmes.

 

         Na dança com a ancestralidade, o menino negro adentra o mundo da tradição afro-brasileira e indígena inundado de simbologia e “memória de pertencimento”. Pâmela conta que teve apoio do Abassà da Deusa Òsùn de Idjemim, terreiro de candomblé no sertão da Bahia, e da comunidade indígena Truká-Tupan, também na Bahia. E aí reside, em parte, a chave para a sensação de pertencimento que a animação pode causar nas crianças negras e indígenas. Digo crianças, mas pode ser sentido por qualquer pessoa que tenha conexão pueril em sua alma.

 

         Pelo caminho musical que ele percorre cruza com entidades como Esù e Caipora, que conferem ainda mais o aspecto ancestral da narrativa, trazendo em sua estrutura elementos do cordel, do repente, da sonoridade de matriz africana e indígena. Tudo isso em uma trilha sonora deliciosa, que conta com um grupo de intérpretes poderosos, sob a direção musical de Maroon. É só você dar uma conferida nos créditos finais e vai perceber o que estou dizendo.

 

         A animação dirigida por Pâmela ganhou o mundo e até o momento já participou de mais de 80 festivais nacionais e internacionais, bem como recebeu 20 prêmios entre as categorias de melhor animação, filme, som, roteiro, trilha sonora, direção de arte, além de menções honrosas nos Estados Unidos e no Brasil. É, sem sombra de dúvidas, um caso de sucesso absoluto. Um filme que não anda só!

 

         A obra está absolutamente conectada com o tempo presente, onde a questão ambiental ocupa o centro da pauta política mundial, e sobremaneira para o Brasil que destrói a sua flora e a fauna, comete genocídio contra os povos indígenas e demoniza as religiões de matriz africana. Isso tudo por ganância e cobiça de base colonialista que se expressam no modelo econômico da atualidade.

 

          “Ewé de Òsányìn” tem função pedagógica. Deve ser visto em toda a parte, não só nas escolas, não só por crianças, pois é um chamamento às nossas consciências e aos nossos sentidos. É chave para reconstruirmos o equilíbrio da terra, pautado nos ensinamentos de nossas mais velhas e mais velhos, que atravessam o tempo sendo contados em histórias como essa. O que Òsányìn tem a nos ensinar?

 

         Em uma passagem do filme, diz o senhor dos caminhos: – “há caminhos que podem te levar de volta para onde você veio, há caminhos que podem te levar para você mesmo, há caminhos que te levarão até o pai das folhas da ciência e das ervas, há caminhos que…” Então, não há separação entre os saberes e se você souber tocar nesse encantamento entrará nos segredos.

 

*Adriano Denovac – Crítico de cinema da Borboletas Filmes & Pombagens,

historiador e doutorando em História do Tempo Presente (UDESC),

com pesquisa voltada para o cinema negro.