“Diga o que quiser! Eu vou ser feliz à beça” (2022) é dirigido por Renato Cândido e trata da vida e obra de Daniel Marques (Dani), artista, performer, poeta e ativista cultural que representava e ainda representa uma esperança para a juventude preta e periférica. Com uma trajetória absolutamente intensa, Daniel cometeu o suicídio em 2017. Entretanto, o documentário não é sobre a morte de uma pessoa sensível, potente para a arte e para a luta das populações negras excluídas. É um trabalho, que quer provocar memórias, a vida, as amizades, afetos, os impactos que as mazelas de uma sociedade racista e excludente provocam sobre a saúde mental da população negra. “Diga o que quiser! Eu vou ser feliz à beça!” também é um filme sobre escolhas e que leva a sério de forma muito delicada e indefectível a vida de Daniel Marques e as circunstâncias de seu desaparecimento.
O mote para a construção do filme foi uma conversa entre Renato e Daniel, em 2017, meses antes da morte do artista, e o assunto era sobre virar pai do pai já que os dois cuidavam de seus pais enfermos, na época. Renato conta que esse encontro foi emblemático, entretanto não houve outras conversas e talvez o documentário possa ser encarado como uma continuidade desse papo entre os dois, na perspectiva do afeto e do afetar-se.
O longa-metragem é construído por trechos observacionais dos espaços vivenciados pelo artista e entrevistas de diversas pessoas, amigos, familiares, gente que trabalhou com ele. Notadamente entre essas falas vai se revelando a maneira do conceber artístico de Daniel, a partir de imagens de performances feitas por ele ao longo de sua trajetória, e outras produzidas especialmente para o documentário. Toda essa gama de elementos traz a força artística e o drama humano, sem cair no drama pelo drama. Se você permitir, o documentário coloca várias reflexões de natureza individual e coletiva.
Renato Cândido é cineasta negro formado no bacharelado em Audiovisual pela ECA/USP (2007) e em 2022 formou-se doutor em Meios e Processos Audiovisuais pela mesma instituição. O diretor se posiciona enquanto produtor de audiovisual preto e popular. O longa sobre a experiência de e com Daniel Marques, foi selecionado para o Cineclube SPCine – 2022 e para o 15° Encontro de Cinema Negro Zózimo Bulbul – Brasil, África, Caribe (RJ) – 2022.
Em entrevista para a Borboletas Filmes & Pombagens, Renato comenta que “Diga o que quiser! Eu vou ser feliz à beça!”, entre outros filmes do Cinema Negro da geração dele, é obra de “(re)existência”. São obras que propõem outros tipos de relações no cinema e trazem a possibilidade da reconquista da nossa humanidade, historicamente sufocada por produções oriundas da branquitude. Pensando na estética cinematográfica negra e no diálogo com Lélia Gonzales ele fala de um “pretuguês cinematográfico” como perspectiva na elaboração de um áudio visual preto, sob o ponto de vista da estética, da linguagem, do afeto e das redes econômicas.
*Adriano Denovac – Crítico de cinema da Borboletas Filmes,
historiador e doutorando em História do Tempo Presente (UDESC),
com pesquisa voltada para o cinema negro.