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Expresso Parador (2023)

 

              Você vai de ônibus? Já chegou atrasada? Lidiane é uma atriz que tenta cumprir seus compromissos. Sempre chega atrasada, ou nem chega. Vive às voltas com o péssimo transporte público do Rio de Janeiro, o que é também uma realidade nacional da população pobre desse país. Entretanto, quando se trata da população preta e pobre do Brasil, a situação é outra. Também quando se pensa em transporte público, o racismo incide sobre os corpos negros de forma impactante. “Expresso Parador” é um filme que denuncia essa questão. Traz essa realidade para a tela do cinema em um formato absolutamente provocador, com o dado concreto de que 32% das pessoas negras levam mais de uma hora no trajeto diário, enquanto a média para os usuários brancos é de 26%.

 

             Uma parceria entre a Arame Farpado Filmes e o Coletivo Cafuné na Laje, “Expresso Parador” faz a relação do tempo, não só o que se perde no transporte, que leva boa parte dos nossos dias, mas também o tempo que não se vive e a malha temporal que envolve o racismo. Mas “Expresso Parador” não é só denúncia. É um belo filme do ponto de vista da experiência estética visual. É filosófico e faz perguntas importantes a partir da perspectiva negra de ser. É mais um grande filme do novo Cinema Negro brasileiro.

 

               Dirigido por JV Santos, com um olhar atento às sensibilidades, o filme acontece todo dentro de um ônibus e, às vezes, sem ser um ônibus. Como assim? Você terá de assistir ao “Expresso Parador” para entender. JV é diretor, roteirista, pesquisador, cofundador e colaborador do coletivo Cafuné na Laje, que também é parceiro na produção do filme. Também é envolvido em processos de formação para o cinema. Talentoso, ele consegue tocar nossos negros corações com esse filme. A narrativa traz aspectos de dor e ironia, mas também força e beleza. Você já se percebeu pensando na vida durante a exibição de um filme? Experimente “Expresso Parador”.

 

             O curta-metragem tem a participação especialíssima da atriz Cyda Moreno, vivendo ela mesma, outro aspecto interessante do filme. Lidiane também interpreta ela mesma. “Expresso Parador” já participou de diversos festivais e ganhou prêmios desde seu lançamento, em 2023. Dois destaques: no 16° Encontro de Cinema Negro Zózimo Bulbul: Brasil, África, Caribe (RJ) – 2023, e no Quibdó África Film Festival (Colômbia) – 2024; os prêmios de Melhor Filme no 25° FestCurtasBH – Festival Internacional de Curtas de Belo Horizonte (MG) – 2023, e no 17° Festival Visões Periféricas (RJ) – 2024, e de Melhor Atriz no 3o Festival Internacional de Cinema de Itabaiana (SE) – 2024.

 

            De fato, “Expresso Parador” é uma experiência fílmica interessante e que faz comentários importantes acerca de questões políticas, sociais e emocionais. Sobre o racismo e a vida de nosso tempo. JV Santos nos leva em seu ônibus cheio de desejos de um mundo outro, onde os expressos não sejam para a dor, mas que cheguem pontualmente na estação da felicidade de ser e estar no mundo, exatamente como se é. Ou, como afirma a psicanalista e intelectual negra Neuza Santos Souza “uma das formas de exercer autonomia é possuir um discurso sobre si mesmo”. Na perspectiva dessa crítica, “Expresso Parador” carrega essa proposta.

*Adriano Denovac – Crítico de cinema da Borboletas Filmes, doutor em História doTempo Presente (UDESC), com pesquisa voltada para o Cinema Negro.