Quando o cotidiano e a vida no subúrbio, apesar dos perrengues, podem ser coloridos. Quando a vida por mais corriqueira que seja pode ainda ser surpreendente. Quando a beleza está à nossa espreita, mas não nos deixamos capturar por ela. Quando uma vida qualquer for um espetáculo, isso é “Ficção Suburbana”. A ilusão revela-se real e a realidade, imaginação.
A vida no subúrbio tem seu tempo, seus códigos, suas marcações. A partir da relação amorosa de Camila e Marcela, seus laços familiares e afetivos, sente-se um pouco esse movimento do dia a dia no bairro distante de uma grande cidade, revelando cores e aspectos que talvez escapem da ideia geral de subúrbio, criando uma Ficção Suburbana. A trama roteirizada e dirigida por Rossandra Leone é delicada e direta ao mostrar as relações que se estabelecem a partir do casal de protagonistas. Estabelece, a partir desses elementos, uma construção com partes importantes da realidade. Então, a ficção da cineasta nada mais é do que devolver as cores e revelar o que ali já está, permitindo ao espectador pensar questões sociais, de gênero, raça, classe, etarismo, entre outras possibilidades que o filme revela.
Rossandra Leone cresceu em Oswaldo Cruz, subúrbio da cidade do Rio de Janeiro, de maneira que essa atmosfera é seu lugar de existência também, o que está de forma inexorável expressa no filme. A diretora é graduada em Cinema e Audiovisual pela Universidade Federal Fluminense e destacou-se como roteirista e diretora do curta-metragem afrofuturista “Blackout” (2020). Ela faz parte do que se convencionou chamar de nova geração do cinema preto brasileiro, que produz um cinema potente, provocativo, buscando outras formas para as suas narrativas.
Em 2022, roteirizou e dirigiu o documentário em curta metragem “Pipa o Ano Todo”. “Ficção Suburbana”, seu último trabalho, lançado em 2023, já participou de festivais e mostras, entre eles o 25° Festival do Rio – Rio de Janeiro Int’l Film Festival – RJ (2023); 16° Encontro de Cinema Negro Zózimo Bulbul – Brasil, África, Caribe – RJ (2023); Brazil New Visions Film Festival – PE (2024), com prêmio de Melhor Filme pelo júri popular no 31º Festival de Cinema de Vitória (2024), e participação na VII Mostra Universitária – 52° Festival de Cinema de Gramado.
Cores! Destaque para a fotografia do curta metragem. A composição das cores em relação aos personagens e a narrativa é um dos pontos altos da qualidade técnica e ação do filme. Me fez lembrar a frase do ator de “Laranja Mecânica” (1971), Alex DeLarge: – É curioso como as cores do mundo real parecem muito mais reais quando vistas no cinema1. O filme nos traz essa perspectiva cromática e é nesse ponto também que Rossandra se revela uma diretora capaz de lidar com o cotidiano em sua narrativa, sem que ela seja, absolutamente cinza, piegas ou chata. É um reinventar da realidade e você é quase o espectador (a/e) de você mesmo, a desejar saber o final do filme.
1Fonte: Cineplayers – https://www.cineplayers.com/viniciuslins/criticas/laranja-mecanica
*Adriano Denovac – Crítico de cinema da Borboletas Filmes, doutor em História doTempo Presente (UDESC), com pesquisa voltada para o Cinema Negro.