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Geruzinho (2022)

          O samba-reggae ancestral desce a ladeira da comunidade quilombola da Maloca, na cidade de Aracaju (SE), tomando o corpo de quatro irmãos negros. Eles caminham imersos em uma sonoridade única e com uma graça que lhes é própria. Cada movimento é uma narrativa. São corpos-memória de uma comunidade. Assim é parte da sequência inicial do curta-metragem “Geruzinho”, que conta a história da formação do bloco afro cultural Descidão dos Quilombolas, fundado pelos quatro irmãos há 30 anos, aproximadamente, e que se transformou em importante expressão cultural de Sergipe e do Brasil. O documentário é uma experiência afro sonora.

 

          A narrativa do filme se constitui de entrevistas, imagens e sons de arquivo. Entretanto, o destaque é para as falas e memórias dos irmãos: Mestre Neném, Dingo Bala, Niquimba e Nego Dadá. Contam, que o primeiro movimento para a criação do bloco foi na intenção de trazer de volta o povo preto para a ladeira. Povo que, segundo eles, estava muito separado e era preciso aglomerá-los novamente. E assim criaram o Descidão dos Quilombolas, primeiro bloco afro da cidade e que, segundo Mestre Neném: “foi um despertar para o povo preto”. Eles conseguiram, reconectaram a comunidade quilombola da Maloca, não só entre eles, mas também com a ancestralidade através da sonoridade e da celebração da cultura afro sergipana. Quando dançamos ao som dos tambores também estamos em conexão com o sagrado.

 

           Produzido com incentivo da lei Aldir Blanc, no estado de Sergipe, “Geruzinho” foi dirigido por três pessoas: Juliana Teixeira, realizadora de Ruína (2020); Carta #1: substantivo (2020), Luli Morante, diretora de Itinerários (2021), Pedalo e Descubro a Cidade que Habita em mim (2021); e Rafael Amorim, que codirigiu Na Sala de Parto (2017) e Ruína (2020). O curta foi rodado durante a pandemia da Covid-19, o que representou um desafio e influenciou a estética do documentário.  O filme estreou, no 6o Egbé – Mostra de Cinema Negro de Sergipe (2022), participou, no mesmo ano do 15° In-Edit Brasil – Festival Internacional do Documentário Musical (SP), do III FIANB – Festival Internacional do Audiovisual Negro do Brasil (SP) e da IV Mostra Quilombo de Cinema (AL), entre outros.

 

            “Geruzinho” traz para o Cinema Negro brasileiro uma contribuição importante. Ouvindo esses irmãos, estamos ouvindo uma comunidade, um povo e ao mesmo tempo percebendo a fantástica diversidade cultural da diáspora africana no Brasil. São corpos negros se reinventando, resistindo, preservando memórias, que se projetam em um discurso de pertencimento. Algo genuíno, que faz parte do corolário de expressões da cultura afro-brasileira.  O Descidão dos Quilombolas também interfere no cotidiano da comunidade, não está circunscrito somente ao período do carnaval. Segundo Luli Morante, uma das diretoras do documentário, é preciso inferir a importância do papel social e educacional do bloco. Ela destaca também que nos meses de gravação percebeu como a “comunidade se envolvia com eles”.

 

            O filme permite que essas pessoas estejam na tela, no primeiro plano, fantasiadas delas mesmas e inspiradas pelos nossos ancestrais. Entretanto, neste momento, talvez você esteja se perguntando: quem é, ou o que é “Geruzinho”? Siga o Descidão dos Quilombolas, pela ladeira e descubra! 

*Adriano Denovac – Crítico de cinema da Borboletas Filmes,

historiador e doutorando em História do Tempo Presente (UDESC),

com pesquisa voltada para o cinema negro.