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Tu Oro (2024)

            Estamos no Brasil do século 19 em um evento histórico conhecido como “A questão do Amapá”. Uma disputa por território e riquezas entre Brasil e França, envolvendo a fronteira daquele Estado com a Guiana Francesa. É nesse contexto que  vagaremos pela selva em busca de ouro e liberdade.  “Tu Oro” é o encontro do colonizador francês em busca de ouro e de um garimpeiro, sequestrado pelo europeu, com o objetivo de que ele o levasse até uma mina do recioso metal. Joaquim e Lunier são as duas personagens emblemáticas dessa ficção, que contém parte importante dos conflitos territoriais e raciais que ainda fazem parte da história do Brasil, somados ao encontro dos povos originários com os africanos e o branco colonizador. Esse é “Tu Oro” (2024).

 

           O filme explora a tensão entre os dois homens embrenhados na selva e marcadamente a violência do francês, que representa a violência colonial, o racismo e a cobiça desenfreada, tensão que permanece na estrutura social do Brasil. À medida que o estrangeiro e Joaquim se embrenham na floresta a relação dos dois passa por diversas etapas, até quase uma amizade. Mas que amigo mantém o outro algemado e na mira de uma arma?  Por outro lado, Joaquim tenta diversas estratégias de sobrevivência e evoca uma de nossas ancestrais: a Cabocla Jurema. A partir desse instante, a narrativa de “Tu Oro” toma outro rumo. Okê, okê ! Salvem, caboclas da mata!

 

              “Tu Oro” é um filme de época, daqueles que se você olhar mais de perto perceberá um profundo diálogo com o tempo presente. A direção cuidadosa de Rodrigo Aquiles, que também é roteirista e montador do filme, nos leva por essa viagem no tempo, totalmente imersa no verde.  O diretor é soteropolitano mas vive desde a infância em Macapá (AP). Aquiles é multiprofissional. Tem trabalhos como publicitário, montador audiovisual, designer, escritor, diretor roteirista, e destaca-se também na produção de videoclipes. Como montador contribuiu para três obras contempladas pelo 1º Edital de Produção Audiovisual do Amapá. Todas lançadas em 2020: “Passar Uma Chuva”, de Aron Miranda; “Montanha Dourada”, de Cassandra Oliveira e “Utopia”, de Rayane Penha. O curta ficcional “E nós tínhamos água à vontade”, fez parte da mostra de cinema Sesc Amazônia das Artes em 2015. Em 2022 lança o documentário experimental “2013/2020”.

 

            “Tu Oro” é uma obra que olha para o passado colonial do Brasil. Nos faz tentar imaginar o que pode ter sido a tragédia da colonização europeia, do ponto de vista das populações saqueadas, exterminadas e subalternizadas ao longo desse processo.  Destaque para Joaquim, interpretado pelo ator Cláudio Silva.  Ele é o elo ancestral que ainda clama no presente por justiça e igualdade. Um cinema que olha para todos os tempos, mas não deixa de reinterpretar o passado sob a ótica negra.

 

            Um elo potente com o presente e que talvez, de alguma forma, nos faça entender a dimensão de “Tu Oro” e as narrativas negras que se articulam. É o flow Marabaixo de Paulo Barros e Pretogonista, esse que por sua vez é rapper e ativista, natural de Macapá, e tem seu trabalho conectado com as periferias da cidade. Seria possível conectar Joaquim e Pretogonista? “Tu Oro” parece querer ser inspiração e, segundo o rapper do Amapá, “inspirações são como ar nos pulmões. Mantendo vivo o passado de cada antepassado, saiba que somos raiz mas não tamo enterrado”.

 

*No Rap, flow é um termo utilizado  para designar a fluidez com que a letra se encontra com o ritmo, ou o domínio do ritmo da letra de acordo com as batidas da música.

*Adriano Denovac – Crítico de cinema da Borboletas Filmes, doutor em História doTempo Presente (UDESC), com pesquisa voltada para o Cinema Negro.